Esta não é uma pergunta simples de ser respondida com um "sim" ou "não", e o mesmo acontece com qualquer profissão. Porém, considerando o rumo que as artes cênicas tomaram nos últimos anos com o advento do cinema e da TV, é preciso um cuidado maior antes de enveredar por uma carreira que pode trazer problemas à vida e ao testemunho cristão.
Houve um tempo em que a profissão de ator se restringia ao teatro e era muito mais uma atuação vocal do que corporal. Basta ver um clássico no teatro ou um filme antigo para perceber que tudo girava em torno de diálogos, com pouca ou nenhuma interação ou ação entre os atores. Já o teatro e o cinema modernos exigem muita ação e sensualidade de seus atores para competir no mercado. Como um cristão iria lidar com uma cena de sexo ou de violência e qual a sua responsabilidade no impacto que isso teria na audiência? Qual o impacto que isso teria em sua própria vida cristã? Quem está ou pretende entrar nessa carreira deve buscar a resposta a essas perguntas.
Em toda profissão é possível ser fiel ao Senhor ou infiel. Um comerciante pode ser desonesto nos preços que pratica ou no recolhimento dos impostos; um médico pode fazer cirurgias desnecessárias apenas para aumentar seus ganhos; um policial pode aceitar propinas para fechar os olhos para atividades criminosas; um advogado pode mentir para garantir o sucesso de seus processos; um professor pode seduzir suas alunas... a lista é infinita. Obviamente em todas essas profissões é possível ser fiel ao Senhor e ao mesmo tempo bem sucedido profissionalmente, porque nelas geralmente existe um consenso de que o errado é errado. O próprio mercado acaba rejeitando profissionais desonestos.
Mas na profissão de ator, o crime, a mentira, o adultério, a perversão e toda sorte de erros podem ser apenas o enredo do papel que ele está representando e essa atuação ser uma exigência para ele exercer sua profissão. Na atuação existe uma espécie de contrato entre o ator e o público de que aquilo tudo é apenas encenação, de que nada daquilo é real. É mais ou menos como quando meninos brincam de bang-bang ou meninas brincam de casinha com suas bonecas. É comum em entrevistas os atores falarem de seu personagem como alguém que não tem nada a ver com ele, como se o próprio ator fosse também um mero espectador. Mas será que, no caso do teatro ou do cinema, os atores e audiência realmente sentem que é "de brincadeira" na prática? Será que eles não incorporam realmente os personagens, passando a sentir e pensar como eles?
Uma cena de sexo, por mais fictícia que seja, irá despertar desejos e pensamentos lascivos na audiência, ou até mesmo do ator. Por mais que um ator declare que se trata de um trabalho profissional e que ele não sente nada, se ele for feito do mesmo material que eu sou feito, não posso acreditar no que diz. Não raro vemos atores e atrizes que se divorciam de seus cônjuges para ficarem com o parceiro do último filme no qual fizeram cenas de amor juntos. O sexo cenográfico acabou se transformando em sexo na vida real. Mesmo que o ator ou atriz procure escolher seus papéis, às vezes o mero contato físico de um beijo enamorado pode gerar problemas, tanto em seu testemunho cristão como em sua vida pessoal. Considere este versículo: 1Co_7:1 "Ora, quanto às coisas que me escrevestes, bom seria que o homem não tocasse em mulher".
Uma cena de violência pode impressionar crianças, jovens e adultos mais influenciáveis a agir de modo semelhante. O grande problema da atuação, como ocorre também em outras atividades artísticas, é trabalhar os sentidos, e geralmente os sentidos mais primitivos do ser humano, aqueles que estão mais associados à carne e ao homem natural. A maioria das peças e filmes exige um enredo que tenha drama, sexo e violência, e aí a responsabilidade do cristão que atua nesse mercado é estendida ao roteirista, produtor, diretor e até cameraman. Todos têm sua parcela de responsabilidade naquilo que será apresentado ao público.
1 Coríntios 10:31 diz: "Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus. Não se tornem motivo de tropeço, nem para judeus, nem para gregos, nem para a igreja de Deus".
Será que eu posso participar de tudo isso para a glória de Deus? Será que meu roteiro, direção, atuação ou ângulo escolhido para a câmera pode fazer alguém tropeçar? Esta pergunta deve estar bem clara na mente daqueles cristãos que trabalham ou pretendem trabalhar com artes cênicas.
Talvez alguém tente se justificar dizendo que pretende ser ator para trabalhar em peças, séries e filmes cristãos, mas eu diria que aí a armadilha é mais sutil, principalmente se tratar de temas bíblicos. A maior parte das peças e filmes cristãos é obrigada a apelar para situações e personagens fictícios para costurar o enredo, o que na maioria das vezes acaba adulterando completamente o sentido do texto bíblico. Em um desenho animado "cristão" vi o cachorro, e não o pai, sair ao encontro do filho pródigo que voltou para casa. A beleza e simbolismo da cena bíblica na qual o pai sai correndo e abraça o filho foi perdida e trocada por um cão lambendo o rosto do rapaz.
O meio comercial e empresarial pode conter muita coisa errada, mas o meio artístico parece promover um estilo de vida libertino que é em muitos aspectos contrário à Palavra de Deus. Como lidar com isso conhecendo a Palavra de Deus? 1 Co 15:33 admoesta o cristão: "Não se deixem enganar: as más companhias corrompem os bons costumes". É preciso levar em conta também que artistas costumam ser tomados como exemplo pelas novas gerações, e até onde o estilo de vida do ator poderá corromper os jovens? Como o ator cristão irá lidar com isso tendo em vista Fp 4:8, que diz: "Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai". Veja o que o Senhor pensa daqueles que influenciam negativamente as crianças: Mat 18:6 "Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar".
Minha profissão como palestrante exige em alguns momentos que eu também seja ator ou represente os casos e histórias que conto no palco. Procuro manter uma vigilância constante sobre o que falo e o impacto que causo na audiência, para evitar ser levado pelo calor do momento e pelo desejo de agradar a audiência, ultrapassando os limites daquilo que é considerado apropriado ao testemunho cristão. É fácil se deixar levar pelo momento e partir para a malícia ou para a pura baixaria. Veja que estou falando de apresentações empresariais com temas como marketing, vendas, administração etc. É fácil nesta profissão encontrar palestrantes que falam palavrões, contam anedotas de cunho sexual ou humilham pessoas da audiência. Felizmente, em prol do politicamente correto as empresas hoje estão mais atentas a isso e buscam por profissionais que não tenham esse tipo de conteúdo em suas palestras.
Não posso dizer que seja impossível para um cristão ser ator, pois os mesmos princípios que se aplicam a outras profissões podem ser aplicados ao cristão que atua no teatro, cinema ou TV. Por exemplo, muita gente ganha a vida trabalhando em peças e filmes educativos ou infantis, desprovidos de malícia ou violência. Existem atores que se especializam em atender o mercado empresarial com vídeos de treinamento, ou comerciais para a TV e fotos publicitárias para revistas. Há ainda atores e narradores de documentários, um gênero que cresceu bastante nos últimos anos graças à TV paga. É mais ou menos como ser músico: existe o músico que toca em boate e existe o músico que cria jingles.
Cabe ao artista cristão orar e pedir sabedoria ao Senhor se deve ou não atuar na profissão, como um todo, ou em determinados trabalhos em particular. Mas ele deve desde o início estar ciente de que dificilmente será uma celebridade se quiser dar um bom testemunho cristão, pois o mercado irá pressioná-lo a transpor seus limites. Eu coloquei limites em minha profissão -- por exemplo, não fazer palestras para fabricantes de cigarros e armas, organizações religiosas e em eventos de cunho político. Tenho minhas razões para isso e obviamente já perdi várias oportunidades de ganhar dinheiro por conta desse meu posicionamento. Mas tenho certeza de que foi o Senhor quem abriu outras portas para compensar isso, portas que provavelmente não se abririam se eu não tivesse essa preocupação com o testemunho.
O sustento do cristão vem do Senhor e isso deve ficar muito claro em sua mente. Se o meu sustento vier de atividades ilícitas ou que comprometam meu testemunho cristão neste mundo, isso terá um preço e no frigir dos ovos eu um dia acaberei descobrindo que não valeu a pena. Então terei consciência de que alguns poucos anos de sucesso aos olhos do mundo nada são comparados com a eternidade.
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